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Thais Borges
Publicado em 26 de maio de 2025 às 05:00
O aumento do número de casos positivos de raiva em animais tem deixado autoridades da Vigilância Epidemiológica em alerta na Bahia. Ainda que o percentual seja considerado dentro do esperado por especialistas, há dois grupos, em particular, que estão sendo observados com maior cautela: equinos e bovinos. >
Os equinos tiveram o maior crescimento: foram de dois casos nos quatro primeiros meses de 2024 para 12 no mesmo período deste ano, o que corresponde a 600% de aumento. Na verdade, o total de positivos de 2025 já supera, em 50%, todos os registros do ano ado. Nos 12 meses de 2024, houve oito casos confirmados na família dos cavalos.>
Os bovinos têm mantido exatamente o mesmo número do ano ado: 12 casos até abril de cada ano. Ainda assim, por serem um grupo estratégico e com o maior rebanho, estão sendo acompanhados com bastante atenção. Além disso, se voltarmos ao ano de 2023, em todo aquele período, foram 17 positivos. >
Esse recrudescimento se reflete no número total. Quando considerados todos os casos positivos em animais este ano, agora há 18,9% mais registros: 44 confirmações agora contra 37 do ano ado. A situação está sendo monitorada não apenas pela Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab) como pela Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab). >
“O número está dentro da faixa esperada. A gente tem o ciclo da raiva em várias espécies de animais. Temos uma orientação da Vigilância Epidemiológica para fazer a coleta e o envio das amostras, para identificar se, de fato, são animais positivos ou não. O que chama um pouco de atenção em relação à série histórica é esse aumento em equinos e bovinos", explica a coordenadora de imunização da Sesab, Vânia Rebouças. >
Uma das hipóteses consideradas neste cenário é a vacinação. No ano ado, a Bahia registrou a maior campanha de imunização já feita no estado, com mais de dois milhões de doses aplicadas em cães e gatos. Mas, ao contrário da situação dos animais domésticos, a vacinação de animais de produção - tais quais equinos e bovinos - não é compulsória no Brasil. >
“É possível que muitos produtores aproveitam o manejo (da vacinação) da febre aftosa e faziam também para a raiva. Com a não obrigatoriedade da vacina da febre aftosa, é possível que tenha havido um relaxamento da imunização para a raiva, já que não é obrigatória. Mas são possibilidades", acrescenta Vânia. >
Em abril do ano ado, após décadas de enfrentamento, a Bahia completou sua última campanha de vacinação obrigatória para febre aftosa. Nesta quinta-feira (29), o estado receberá a certificação internacional de Zona Livre de Febre Aftosa sem Vacinação. O título vai ser concedido pela Organização Mundial da Saúde Animal (OMSA), em uma cerimônia em Paris, na França. >
Manejo >
De fato, era muito comum que os produtores rurais fizessem a dobradinha na vacinação: aftosa e raiva juntas, segundo o fiscal estadual agropecuário Paulo Ferraz, que é coordenador do Programa Nacional de Controle e Erradicação da Raiva em Herbívoros na Adab. >
“Com a retirada da aftosa, realmente as pessoas deixaram de fazer. Todos esses casos de raiva, quando a gente vai ver, realmente eram de animais que não tinham sido vacinados. São a prova da ausência de vacinação. Eles facilitaram e teve um recrudescimentozinho. Mas está dentro dos parâmetros, porque a gente vem fazendo um trabalho de sensibilização para aumentar as notificações", explica. >
A agência contabilizou, 10 confirmações de raiva em equinos em 2025 - ou seja, dois a menos do que a Sesab. No entanto, o órgão divide as ocorrências dos ‘muares’ (animais híbridos, como mulas e burros), que também registraram ao menos um positivo este ano. >
Além disso, em 2025, houve um aumento nas notificações à agência. Enquanto no ano ado foram 71 amostras encaminhadas - dessas, 49% foram positivas -, este ano, foram 56 coletas e um índice de positividade de 41%. “Isso representa que as pessoas estão sensibilizadas em notificar qualquer animal com sintomatologia nervosa". >
O quadro de sintomas é o principal sinal de atenção. Se o animal tiver dificuldade de andar ou de levantar, se estiver cambaleando ou com salivação excessiva, a Adab precisa ser notificada. Neste contexto, a recomendação expressa é de não manusear a boca do bicho que estiver com sintomas, porque o vírus da raiva é transmitido por meio da saliva. >
“Em algumas propriedades na região de Guanambi, as pessoas estavam manipulando a boca do animal, tentando dar água e comida”, conta Ferraz. A cidade teve três casos confirmados este ano. >
De acordo com ele, a preocupação com equinos e bovinos se dá por razões diferentes. No caso dos bovinos, é mesmo pelo tamanho da população. Atualmente, a Bahia tem cerca de 13 milhões de cabeças de gado, enquanto o rebanho de equinos fica em torno de 10% disso. >
“Os casos em equinos chamam atenção porque as pessoas manipulam a boca do animal com mais frequência. Com o boi, geralmente as pessoas não manipulam a boca, mas equinos são quase animais de estimação. As pessoas têm um contato maior", diz. >
Em todas as ocorrências de raiva positiva entre animais de produção, os bichos que morreram já tinham, em média, dois anos sem serem imunizados. Entre os dias 1 de julho e 15 de agosto, a Bahia terá a atualização cadastral obrigatória desses animais - a primeira desde o fim da vacinação obrigatória de aftosa. >
Neste período, os dados sobre a imunização contra a raiva são esperados e vai ser possível chegar ao percentual da cobertura vacinal no estado. Os produtores deverão comparecer à unidade da Adab mais perto de seu município para isso, levando a nota fiscal da vacina. >
Morcegos >
Outro alerta importante é que, se que os produtores rurais perceberem que seus animais foram ‘esfoliados’, devem chamar a Adab. Esse é o termo técnico para quando o bicho é chupado por um morcego.>
“O morcego tem o hábito de esfoliar o animal. Isso significa que ele vai voltar no outro dia para chupar o sangue. A gente pode fazer o controle indireto”, explica Paulo Ferraz, citando uma pasta que é colocada em volta da ferida para repelir esse retorno. >
Além disso, se o produtor encontrar, em sua propriedade, algum morcego hematófago, também deve notificar essa localização à Adab. A agência faz o controle apenas dos morcegos deste tipo. >
“Os outros são importantes para a natureza. A população fica agoniada, mas o morcego hematófago não vive na casa das pessoas. Ele é tão vítima da raiva quanto o ser humano e os outros animais. Quando tem um surto, a colônia será atingida e isso vai matar a maioria deles", explica. >
Ainda assim, a orientação é de que nenhum morcego seja manipulado, porque qualquer espécie deles pode transmitir raiva. Se alguém notar um desses animais voando durante o dia, por exemplo, pode ser um sinal de raiva. Morcegos voam apenas à noite, mas a raiva provoca o desequilíbrio nessa noção. >
No mundo, existem cerca de mil espécies de morcego, mas o que é considerado de maior interesse para a defesa agropecuária é o Desmodus rotundus (ou seja, um do tipo hematófago, chamado popularmente de vampiro). Ele se alimenta de sangue e morde animais como bois e cavalos. Se não encontrar animais, eventualmente pode ter contato com seres humanos. >
“Na realidade, a cada cinco ou 10 anos, é esperado que tenha esses picos populacionais de morcegos. Esse é o ciclo deles, então é uma coisa natural. Depois, isso volta ao normal". Por serem animais silvestres, não existe vacinação disponível para eles. >
Capital>
Em Salvador, até abril, houve dois casos positivos de raiva: um em equino, outro em morcego. Em maio, já haverá pelo menos um novo caso de raiva em morcego computado. De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), além dos dois positivos de 2025, foram oito no ano ado e cinco em 2023. >
O órgão também informou que o aumento de 2023 para 2024 não está relacionado a aumento da população de morcegos, mas à maior conscientização da população. Com mais notificações, mais amostras são enviadas para análise laboratorial. Ainda segundo a SMS, todos os animais coletados até o momento não foram hematófagos - ou seja, eram de espécies que se alimentam de insetos, frutas, néctar ou pólen.>
“Ao encontrar um morcego — seja caído, voando baixo ou rastejando — a orientação é: não tentar tocar ou manipular o animal sob nenhuma hipótese", dizem, em nota. A pessoa deve ligar para o telefone 156 ou para o setor de vigilância da raiva animal, no número (71) 3202-0984. >
Humanos >
A maior forma de prevenir a raiva em humanos é por meio da vacinação de cães e gatos, como explica a coordenadora de imunização da Sesab, Vânia Rebouças. Não há vacina disponível para a população em geral, exceto em casos pós-exposição. >
Ou seja, depois que alguém teve contato com um animal potencialmente transmissor da raiva, pode receber a vacina e soro. “A raiva é um agravo praticamente 100% letal, por isso, é importante procurar uma unidade de saúde para que a profilaxia seja feita o mais breve possível. A eficácia é excelente", explica. A vacina pré-exposição é destinada a grupos específicos, como médicos veterinários. >
O último caso de raiva em humanos, na Bahia, foi em Paramirim, em 2017. Na ocasião, o animal envolvido na transmissão foi um morcego. No Brasil, contudo, já foram registradas duas ocorrências de raiva humana: uma em Pernambuco e outra no Ceará. Nas duas situações, o vírus foi transmitido por um sagui. >
“São aqueles micos que a gente vê as pessoas brincando. Eles são animais potencialmente transmissores de raiva. Por isso, é importante evitar o contato com morcegos, raposas e até mesmo os saguis", completa Vânia. >